sábado, 15 de outubro de 2011

Leitura como atividade produtora de sentidos

CERÂMICA
(Drummond)

Os cacos da vida, colados,
formam uma estranha xícara.

Sem uso,
ela nos espia do aparador.

O poema de influência cubista permite ver nos objetos a incorporação metafórica da inutilidade da vida.  Comparando com a existência humana, fragmentada em fatos do cotidiano, tais quais “os cacos da vida”, com que o poeta constrói “uma estranha xícara”, percebe-se a condição humana diminuída à inutilidade de um objeto qualquer. O poema concebe a vida sob a ótica do engessamento, porque cerâmica, ou seja, ser engessado, preso pelo sistema que conduz a vida ao determinismo desta sociedade alienante.
Se o determinismo é verdadeiro para tudo o que acontece, já estava determinado antes de nasceres que havias de escolher o bolo. A tua escolha foi determinada pela situação imediatamente anterior, e essa situação foi determinada pela situação anterior a ela, e assim sucessivamente, até ao momento em que quiseres recua (Thomas Nagel - Que quer dizer tudo isto?, p. 49-50 o)”.
De acordo com esta realidade, tem seu livre arbítrio aniquilado; assim, a saída é aceitar os padrões estabelecidos pela sociedade moderna e, dessa forma, ocupar o seu espaço em uma de suas esferas.
Então no poema, o homem é apenas uma peça no aparelho de engrenagem que transforma o mundo, sem grandes expectativas de mudança. E como objeto, pronto para ser substituído a qualquer momento, da mesma maneira que uma xícara é trocada por outra quando quebrada.
Assim como disse em seus versos: “uma estranha xícara/ Sem uso ela nos espia do aparador” – está a vida a nossa volta, espiando-nos também e mostrando para nós o quão pouco aproveitamos dela.

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