A concepção de educação como meio de ascensão social, de erradicar a pobreza e minimizar a violência concede à escola um papel primordial que é valorizado no âmbito nacional e internacional. No entanto, dados do INEP/MEC dão amostras de que, no Brasil, a realidade não é condizente com o discurso oficial e com as afirmações advindas das famílias de todas as classes sociais com relação à importância da educação na formação do individuo: o ano de 1998 para 1999 teve uma taxa de 4,5% de evasão, o índice total de retenção nas escolas públicas e particulares foi de 21,3% e a retenção apresentou uma taxa altíssima de 40,1% na 1ª série; além dos milhões de jovens que são analfabetos e dos analfabetos funcionais cujo número se desconhece. Pode-se observar também uma função seletiva na escola que favorece o surgimento de uma hierarquia entre os indivíduos e que reflete a estrutura social, fato este que já era tido como evidente pela tradição sociológica funcionalista. Segundo Collins, a educação transmite algo diferenciado dos conhecimentos objetivos, desenvolvendo realidades diferentes das capacidades operatórias culturalmente neutras. Para ele a educação impõe uma cultura particular, ou seja, a cultura de que o grupo dispõe. Bowles e Gintis também valorizaram a dimensão cultural e ideológica da educação e da seleção escolar enquanto base e transmissor estrutural da reprodução social. É na escola, segundo eles, que os indivíduos aprendem a pontualidade, o respeito pela autoridade (extra familiar), a responsabilidade em relação ao cumprimento de tarefas, a questão da recompensa, sendo ela também responsável pela preparação de alguns alunos para exercerem responsabilidades no sistema de produção, e outros para obedecer e executar tarefas. Assim, para diferentes classes e grupos sociais, diferentes conhecimentos (no que se refere à quantidade e qualidade), habilidades diferentes (para o comando ou para a obediência), tornando legítima a cultura dominante e preparando de modo diferenciado para o trabalho de acordo com a classe social, com a raça e também com o gênero.
Vivemos uma época em que a consciência de que o mundo passa por transformações profundas é cada dia mais forte. Esta realidade provoca em muitas pessoas e grupos, sentimentos, sensações e desejos contraditórios, ao mesmo tempo de insegurança e medo, potenciadores de apatia e conformismo como também de novidade e esperança, mobilizadores das melhores energias e criatividade para a construção de um mundo diferente, mais humano e solidário.
Globalização, multiculturalismo, pós-modernidade, questões de gênero e de raça, novas formas de comunicação, informatização, manifestações culturais dos adolescentes e jovens, expressões de diferentes classes sociais, movimentos culturais e religiosos, diversas formas de violência e exclusão social configuram novos e diferenciados cenários sociais, políticos e culturais. Estes fenômenos se interpenetram em processos contínuos de hibridização.
A escola não pode ignorar esta realidade. O impacto destes processos no cotidiano escolar é cada vez maior. A problemática atual das nossas escolas de primeiro e segundo graus, particularmente as das grandes cidades, onde se multiplicam uma série de tensões e conflitos, não pode ser reduzida aos aspectos relativos à estruturação interna da cultura escolar e esta necessita ser repensada para incorporar na sua própria estruturação estas questões e novas realidades sociais e culturais.
A reflexão sobre o papel da educação em uma sociedade cada vez mais de caráter multicultural, é recente e crescente no nível internacional e, de modo particular, na América Latina. No entanto, a gênese desta preocupação obedece a origens e motivações diferentes (sociais, políticas, ideológicas e culturais) em diversos contextos, como o europeu, o norte-americano e o latino-americano. De qualquer modo, é a própria concepção da escola, suas funções e relações com a sociedade, o conhecimento e a construção de identidades pessoais, sociais e culturais que está em questão.
Torna-se imprescindível hoje incorporar as questões relativas à desnaturalização da cultura escolar e da cultura da escola na reflexão pedagógica e na prática diária das nossas escolas.
Os professores manifestam perplexidade e insegurança diante da problemática atual do cotidiano escolar. A instituição escolar está construída sobre a afirmação da igualdade, enfatizando a base comum a todos os cidadãos e cidadãs. Como articular a igualdade com a diferença, a base comum com as expressões da pluralidade social e cultural, constitui um grande desafio. É a discussão sobre estas questões, articuladas com a reflexão sobre os processos de mudança cultural e social que estamos vivendo que permitirá ir reconstruindo o papel da escola, a cultura e a cultura da escola.
Esta abordagem apresenta um amplo horizonte, especialmente desafiante e enriquecedor, para o desenvolvimento da pesquisa e do debate sobre as questões relativas ao papel da escola na nossa sociedade, às relações entre muiticulturalismo e educação, o cotidiano escolar e a formação de professores.
O fato é que as experiências de educação multicultural, utilizando diferentes abordagens e metodologias, se vêm multiplicando no contexto europeu e norte-americano, assim como uma ampla produção acadêmica vem se desenvolvendo, acompanhada da promoção de pesquisas na área.
Na busca de caminhos nesta perspectiva, um dos desafios fundamentais pode ser sintetizado na seguinte afirmação de Boaventura Souza Santos (1995), que considerado de especial relevância e que explicita e sintetiza o horizonte no qual nos situamos:
"Temos de articular políticas de igualdade com políticas de identidade" "Temos o direito de ser igual sempre que as diferenças nos inferiorizam; temos o direito de ser diferente, sempre que a igualdade nos descaracteriza" (Jornal do Brasil, 10/9/95)
Nesta articulação se condensa o desafio radical de promover uma educação intercultural crítica na nossa sociedade, em que estamos vivendo processos complexos de transformação, multidimensionais, profundos e contraditórios. Hoje, urge ampliar este enfoque e considerar a educação intercultural como um princípio orientador, teórica e praticamente, dos sistemas educacionais na sua globalidade.
Por fim, qualquer que seja o ângulo pelo qual observemos a educação, ela nos apresentará características fundamentais para o desenvolvimento do ser humano como um todo, reafirmando seu papel nas transformações pelas quais vêm passando as sociedades contemporâneas e assumindo um compromisso cada vez maior com a formação para a cidadania.
Torna-se imprescindível, portanto, que façamos sempre uma conexão entre educação e desenvolvimento, pensando sempre no desenvolvimento que educa e em uma educação que desenvolve, afim de termos uma sociedade mais democrática e justa. Pois uma educação que carrega em seu bojo a utopia de construir esta sociedade enquanto forma de vida e sistema social, tem como temas constitutivos o poder e o desenvolvimento integral do ser humano.
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